sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Logo Depois II

Depois do que foi preciso
Feito uma tela
Feito janelas
Feito parcelas
perdidas
De nós

Depois que tudo foi feito
Precisa uma era
Precisa uma espera
Precisa uma trégua
vencida
Pra nós

Precisa uma rua de água
Que escorre e desafoga
Esse transbordar
Outra água que apague esse peito
Inflamado e desfeito
Arfante sem ar

E essa corrida do ouro
E o meu desaforo
Continua a cavar

Felizmente é uma canção. O que certamente pode fazê-la ainda mais triste.

06 de setembro

Cravo, escrevo, crivo em nós a separação.
Caio, preso, tido em nós a resolução.
De abrigo, crido em casos na multidão.
Verto, zelo, pouso de gratidão.
Separo-me da podre parte da gravidade.
Oponho-me todo e inteiro a discussão.
De que é arte, censo, inerte a profusão.
Tento e visto coisas púrias mas a confusão
lateja tanto que vez em quando,
provoco o mar e o trovão.
Essa pele pouca, a voz mais rouca, é envelhecer.
Reparto-me da minha idade, cruel vontade, vou me perder.
Nos meus nobres anos, por isso meu crivo é amadurecer,
De onde me divido e envelheço, e velho de novo vou me manter.
Pois ao perpassar os anos são como lâminas a me cortar.
E ferido fico mais disposto, as rugas no rosto é para mostrar,
Os nervos que enroscam o corpo na tentativa de reconstruir.
Vivo e adormeço, no outro dia acordo assim,
a prever feliz, que não sou eu que vivo,
mas estes anos que vivem em mim.


Numa cozinha metafísica na Casa dos Carneiros. Quadras de outubro de 2007.

Costuras

Entre na casa,
tire os sapatos
o seu retrato
está na parede.
Eu e você
por quantos momentos
nessas coreografias
de apartamento.
De fato,
entrelaçares
são como teares
no movimento
preciso do tato
onde se toca
e se retoca
a costura da afeição
são leves agulhas
que picam e furam
as estruturas
da nossa pele
do nó desbotado
do veio macio
de onde se parte
e se conduz
um novo amor
em ponto de cruz.

Vá sussurrar na puta que o pariu

A fala torta caqueja o homem,
o andar solto afrouxa o credo,
a causa mansa maneja o fel.
O veio fino não enche o pote,
a pausa leve não leva à prova,
o tempo livre desbota o céu.

O molho da chuva é terra no rosto,
o gosto do fogo é desejo matado,
o sereno pasto pras causas do povo.
Pra mim: feliz ano novo!

Reveillon de 2006, ou de antes. Não me lembro.

Repente

Vamos embora
Que o dia fez sua hora
E a hora o seu repente
O instante suas demoras
E demoras todos seus dentes
Os dentes suas farsas
E farsas são de repente.

Vasculhos

Quem me parte a solidão
Da sobras, essa metade
Não conta um só gesto
De consolação
Em bares de problemas
É só rir sem estar lá
Sem revirar os meus escombros
Que deixei ao caminhar
Pois caminhando se faz um fundo
De quem cavou a procurar
Em meio a vasculhos de sonhos
Algo que para traz ficou
Não sorrir, já se não mais
Em saber-nos pobres trôpegos
Que somos todos desiguais

E sozinhos nesse universo
Quem faz parte de nós
Vale tudo pelo fim?
E quanto tudo, e quanto a mim
Vou encantando tudo ao inverso
Despistando a tristeza
Mesmo sabendo o prato
Que se põe à minha mesa
E se a beleza enche os olhos
E afina o paladar
Mesmo que após não se encontre
O querido e o meu lugar
São amontoados de pessoas
De lugares e horas vãs
Preenchido por tristes músicas
E ensolaradas manhãs

Se veste de janela

Debaixo do alpendre dos meus olhos,
passeia você.
Toda tarde é a mesma coisa,
você se veste de janela,
o vento passa
e assobia por entre suas frestas.

Uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu

Rios,


Sequem meus anos
Que estes se encontram
A beira do cais
No lançar das redes, das iscas
Das velas, de velhas marés
que já, se, não mais
Agora que são torrentes
Lânguidas e ternas
De um nado sincrônico

Rios,
Eis-me mar.
Para Gal e Igor

Incensura

Eu limpo com as palavras
Os dejetos do mundo
Eu sujo com a língua
A pureza dos inocentes
Eu cravo em minhas feridas
Todos os meus dentes
E daí que eu me sinto?
E daí que tu te sentes?

Foi

Pelo mais suave mover no arrasto
Seja do mar, seja do vento
De umas redes e desse momento
Mesmo se tudo,
mesmo se lento.

Na Casa dos Carneiros.


E a casa se encheu de orgulho,
posto que os copos foram todos bebidos.

Laços Entreabertos

Os laços estão feitos
Atravessados sobre o peito
No espaçado curtume
Que feriu a minha vida
Torna uma estrada
Ainda mais cumprida
Para o tempo que se leva
De uma água rolar
É o mesmo que se espera
Uma eternidade
Acabar
Eu cravo minhas unhas
Agarrando sua história
E nem por um triz
Perco o fio da meada
E a boca da noite
Afronta-me com seus dentes
E meus sonhos de verão
Devoram-me e eu pálido
Venço na demora
A amplidão desses meus medos
Por entre restingas e marés
Sonhando algum dia
Caminhar sobre essas águas

Logo Depois I ®

Depois de você
Ré-tudo:
Reciclo-me
Resignifico-me
Refaço-me
Revejo-me
E pra frente
É que eu ando
Em meus ledos
Ou lerdos
Enganos.