terça-feira, 23 de setembro de 2008

Discurso para o exílio

Eu des/peço algum canto
Se o recanto do mundo despeja-me o lar
Sou buscante, viajeiro
Nessas coisas de outrora
Que me embalam versos de horas
No amor de outras trovas
Na canção da antiguidade
Sou caramelo de todas estações
Que me deitam
Os planos de coisas fagueiras
Que violentam
e me fazem
alegrar

sábado, 20 de setembro de 2008

Eram recitais


E dessa forma
Todos os ouvidos
Param pra saber
O que tem acontecido
Nas parcelas dos encontros
Quando era cálice o sentido
De sussurros a bramidos
Até chuviscos alaridos
Passeando entre os seres
Alternando o paraíso
Melhorando o sabor
De quase bom juízo
Todas as formas
Quando cantavam
Esqueciam o temido
E dessa forma
Parem pra saber
Todos os ouvidos:

As cordas vão pequenas
À meia voz, solitárias
Desconhecidas ficam
As coisas da madrugada
Os dedos rangem
Já não fincam nem nada
Nem sei mais as mesmas
Músicas desbotadas
Uma vez a altivez
Fazia força suave
Hoje pára no talvez
E precede a mancada
Uma ferida à vista
Sem dia, hora e data

Eram recitais

Diuturnos madrigais

Hoje se são tons

perderam a sua paz

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Deitou-se


Deitou-se e fez uma colcha de cabelos
depois a cabeça em tetos de nuvem
e tentou a realidade
de fracassos em fracassos
se apossou dos sonhos
e eles estão vivos
até hoje
até tarde

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

No frigir dos ovos

Elemento de surpresa
Um ataque
A sobremesa
Com leite de cabra
E ovos
Amor dócil
Para os ócios
Do ofício
Uma delícia
Sorria
De ambrosia

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Defunto

Quem és tu que dormes
Profundamente
Num leito sem opressão
E te destinas a um sagrado covil
Sem teus fracassos
Sobrando teus ossos

De fato todo homem
Se nunca perdeu a glória
Virá a ser derrotado
Pelo óbito marcado
A sua própria hora

Quem és tu que pressentes
A dor do fraco, do amado, do querido
E visível vai tornando-te convincente
De que tens poder
Em arrastar tantos quanto sofrem
O que tu sorris

De fato são muitos a espreita
Da tua ressurreição
Do que querias ter à mão
Apenas para levantar-te e abraçar-te,
Comover sem a ira
De que um dia fora retirado

Quem és tu que fizestes
Ciência em promover
Este espetáculo
Ao comprar a tua sepultura,
Ao financiar a comunidade póstuma
Para onde arrastarás
Ainda os restos viventes

De fato em tua lápide tão bem escrita,
Um mensagem,
Por muito não rara, mas bem tolhida
Cicatriza a tua sombra
levada à nova geração

Quem es tu que segues
A rota dos mortais
Que não te acanhas mais
Com a palidez
E expõe-te sem timidez
Uma última vez
Sempre imóvel

De fato és o sinistro ocaso,
Se a morte te levou
Fatalmente
Ou o doce bramido do mar
Se tiveres ido
Naturalmente.

De uma série mórbida há alguns anos atrás. Uma saia austral de 2000.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O silêncio e o nada

Ensurdece o dia
Sem a sua fala
E tudo resvala
Em calar
Não falo eu
Nem mais ninguém
Nem ninguém há
Nessa casa sozinha
Não há nem sujeira
Nessa cozinha
A antena da televisão
Enfim instalada
Para depois do vazio
Ficar algum nada
Um copo de água
E paredes frias
Lá fora o cachorro
Em contentamento
Brinca com o rabo
E assim vai a hora
Na companhia do vento
Pela memória
Fantasmas que sopram
Reduzem gentis
O meu tormento

Fazer falta.
Isso não se faz
Com ninguém.

Colonização

O reino urgia novas fronteiras. Uma marca e bandeiras fincadas iniciavam a busca por dentre as terras. Muita gana era impelida e precisos foram muitos barris de alabastro para carregar de volta ervas e extraçõesperfumosas de flores e plantas do princípio regio ainda sem nome. Um novo caminho era montado, circunspectado pela navegação dos ventos sempre elísios, perfeitos na linha do litoral, em lindas encostas e aparentes curvas. Em sua fronte algum suor derramado posto que o calor daqueles dias e movimentos mexessem com os músculos embora não causasse nenhuma exaustão, e, sabido era que todo cansaço ficava por baixo da chuva, vezes pelo frescor que descia da boca da noite ao som de orquestras de rãs e som de pássaros de assobios. O húmus fazia brotar rapidamente qualquer cultura, as de comer e as de enfeitar. E um campo de girassóis abria-se orvalhadamente em meio a raízes quase sempre comestíveis, plantadas a ermo já que as medidas e limites passavam inexistentes. A pesca, nunca rara, produzia os melhores filões do mar. Os mariscos denotavam algum sal à sensação mais doce de ali se possuir, sejam os ventos, texturas e lugares vivos de sol a sol. As primeiras habitações subiram modestas e logo um pequeno palácio possuía os vestígios de alguns nobres, reconhecidos imediatamente pelos já nativos do lugar. A corte nova formava-se devagar, na medida em que uns e outros se tornavam convivas pelas suas funções diletantes e de prendas. Em meados de maio se enroscavam para abrigar a nova colônia nascente. Depois de ascendido o projeto úrbico, podem até chamar de perfume, mas que era colônia, ah isso era.